quinta-feira, 22 de março de 2012

Eu e Camucais... ainda em doses homeopáticas...

Tom Rocha e Juliano Holanda me deram uma força com relação a compor. Juliano me deu muitos feedbacks que melhoraram minha insegurança de estreante. Não me considero nem nunca me considerei uma compositora. Só queria me desafiar, já que sempre pensei ser mais difícil cantar músicas próprias do que as dos outros, do que apenas interpretar. Ainda tô me acostumando com essa coisa de cantar o que fiz. Às vezes fico com medo...tantos excelentes compositores por ai...e eu me enxerindo... rsrs. Minhas composições são muito simples. Às vezes chegam a ser infantis. No disco, a sofisticação entrou pelos arranjos, pela mixagem. Eu costumo dizer que quem teve mais trabalho no “Camucais” foram os músicos que arranjaram e os produtores musicais, Juliano Holanda e Fumato. Eu apenas dei um rascunho pra eles. Tive a sorte de ter essas pessoas perto de mim.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Eu e Camucais... em doses homeopáticas...

“Camucais” tem algumas referências mais aparentes à África, como, por exemplo, em “Mariana”, Tchida canta em crioulo. Também, a alusão ao semba angolano, à coladeira caboverdeana. Mas a “africanidade” tá muito diluída. Assim como a gente também tem isso muito diluído no nosso sangue, tanto que às vezes até se esquece que tem. Dizer que é um disco com influência de músicas africanas tá certo. Mas acho muito difícil ter um disco ou qualquer outro trabalho musical aqui no Brasil que não tenha essa influência...

terça-feira, 20 de março de 2012

Eu e Camucais...em doses homeopáticas...

"...Depois fui olhar no dicionário bantu que existe a palavra “camuca”, que quer dizer “mulher, mãe”. E cais é cais. Então, imaginei que poderia ter o sentido de “mulheres do cais”. Não no sentido pejorativo. Mulheres do cais no sentido de mulheres que esperam no cais. Assim como em “Minha História” de Chico Buarque, quando ele diz: “Ele assim como veio partiu não se sabe pra onde. E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe. Esperando parada, pregada na pedra do porto, com seu único e velho vestido, cada dia mais curto”...Muita história...

domingo, 18 de março de 2012

Eu e Camucais.

Bom, como toda “boa” biografia, a gente começa falando sobre nossa árvore genealógica né?!

Então, lá vai...

Cornélio Gomes Leal (cujo pseudônimo era “Valença Leal”) escreveu um livro chamado “Cruz de Carne”, em 1944. Pouco antes de sua morte, publicou um livro de contos, chamado “Os humildes”. Enfim, meu avô era um intelectual, mas, creio eu, muito exigente com o que escrevia... Acho que por isso publicou tão pouco do que ele produziu. Homem de poucas palavras...

Minha avó é historiadora, sempre ligada a questões relacionadas à importância da mulher na sociedade. Gostava também de cantar enquanto costurava. É daí que vem a minha mais tenra memória musical. Das músicas que minha avó cantava à máquina de costura.

Tenho uma tia avó cantora. O nome artístico dela é Nadja Maria. Ela tem aqueles vozeirões encorpados. Ela é da seresta.

Minha mãe é advogada. Mas também gosta de escrever...

Meu pai é um capítulo à parte. Até porque é nesse capítulo que entra minha história com a música e, portanto, Camucais. Impossível não relacionar o disco a esse tema.

A primeira lembrança que tenho do meu pai é a do dia em que meu padrasto (eu tinha uns sete anos, mais ou menos) me presenteou com um LP. Na capa tinha um papai noel (rs) e na contra-capa, um homem vestido com uma roupa tradicional do Paraguai... Era o próprio.

Silvio Solis.e sua harpa saíram a andar por ai ainda quando eu ainda era bebê. Fiquei com minha família materna. Até o ano 2000, eu não tive qualquer notícia do meu pai, quando resolvi procurá-lo. E fiz uma verdadeira investigação, trabalho de detetive pra encontrá-lo. Depois de um mês mais ou menos de busca, fui olhar novamente aquele LP que tinha guardado em casa há uns 20 anos. E ai me chamou atenção que o disco tinha sido gravado pela CID, uma gravadora que eu achava que tinha acabado. Mas, pra minha surpresa, descobri que ela ainda existia. Corri atrás do contato dessa gravadora, e quando liguei pra lá, contando a história toda que eu tava procurando meu pai, etc, etc. , eles me deram o número de onde ele poderia estar. Era um número dos Estados Unidos. Ele estava vivendo em Maryland. Liguei pra ele no outro dia. E fui visitá-lo no outro ano.

Até o ano de 2001 nunca tinha cantado na frente de outras pessoas. Eu adorava cantar, adorava música. Mas eu era muito tímida. Mais ainda do que sou hoje. Minha timidez só me permitia cantar na frente do espelho. Quando escutei meu pai tocar pela primeira vez, abri a boca e saiu um som que eu não conhecia. Foi interessante isso daí...Foi um momento de identificação com uma parte minha que eu não tinha contato. Era desconhecido, mas era gostoso.

Lá mesmo, em Maryland e em Washington, naqueles primeiros dias que passei com ele, começamos a brincadeira. Eu era a “convidada” nos show dele. Assim ele me apresentava em pubs, restaurantes, festas de aniversário, casamento...No repertório, guaranias e bossa-nova, misturando as nossas nacionalidades. Dani Cortaza (excelente violonista paraguaio, que já morou no Brasil e tocou com gente especial como Hamilton de Holanda), acompanhava meu pai. E ai foi essa festa! Emocionante...Das vezes que voltei a encontrá-lo lá em Washington ou Nova York, ele sempre me dava um empurrão e eu subia no palco.

Então posso dizer que comecei a cantar no ano de 2001. Depois entrei em aulas de canto e comecei a querer conhecer melhor coisas de voz, interpretação...

Ainda na euforia dessa história toda, em 2002, eu e mais alguns músicos montamos um repertório com canções de Chico Buarque. Foi um atrevimento!!! Porque as músicas dele são muito difíceis de cantar, são requintadas, e são as melhores do mundo, na minha opinião. Mas fazem parte de minha memória mais tenra. Cresci escutando Chico Buarque por influência de minhas tias. Por isso eu gostei de fazer o show “Tanta Saudade”. Porque tava vivenciando a minha memória afetiva, cantando as músicas que ouvia em minha infância. Esse projetinho foi apresentado no Teatro Maurício de Nassau, no Teatro Capiba e no finado La Prensa (tudo em Recife), entre 2002 e 2003.

Depois disso, fiquei um tempo sem cantar...Uns três anos...Comecei a estudar pra ser juíza, pra fazer outros concursos...Mas parece que não deu muito certo (rs).

Foi em 2006 que uns amigos me levaram pra conhecer alguns terreiros de candomblé. Engraçado isso...Tinha um terreiro junto de casa, quando fui morar em Rio Doce, aos 10 anos, mais ou menos, mas nunca, em nenhum momento, tive sequer curiosidade de ir até lá ou sequer de dar uma espiada pra ver o que tava acontecendo ali. Acho que isso foi assim pelo fato de que aqui em Olinda se vê com muita naturalidade essas manifestações. Desde sempre. Acho que chegou a ser tão natural pra mim que até passou desapercebido. Talvez aquela coisa de se dissociar, de se afastar de você mesmo...Negação da sua própria espécie...Mas, enfim...comecei a me interessar pelo candomblé. Acho que eu tava em busca de construir uma religiosidade. De mudar um paradigma. Eu tava bem apaixonada por aquela magia toda... Os cânticos... Isso daí pra mim era visceral.

Foi nessa época que comecei a cantar samba. Organizei um grupinho de samba, depois participei de um grupo só de mulheres sambistas, o Sambadelas...mas...não era mesmo a minha praia. Acho que voz de sambista tem que ser forte, potente, tem que ter um swing especial. Minha voz é suave, não é voz pra cantar samba.

Uma coisa que achei legal nessa experiência com o candomblé foi me dar conta de que eu gosto de cantar em línguas diferentes, ou pelo menos, fazer algumas referências a línguas diferentes. Arriscar, mesmo sem ser especialista no assunto. Adoro cantar em yorubá. Eu conheci um babalorixá, por quem eu tenho muito carinho, que me ajudou a perceber a beleza e a doçura que tem nos cânticos. Confesso que me encanta mais a sonoridade do que o sentido. Na minha opinião, você não precisa saber o que tá cantando. Só o som das palavras já produz um bem estar enorme.

Me arrisquei a compor algumas musiquinhas em yorubá, mas não tive coragem de mostrar a muita gente. Não sou conhecedora da língua. Apenas gosto de desafios. Pra mim é como uma brincadeira.
Acho que tem mais gente com mais propriedade pra fazer isso, pra cantar o candomblé, pra cantar em yorubá, pra cantar pra os orixás. Mas não posso deixar de dizer que gravei um EP com duas músicas em youbá gravadas por Areia, Tom Rocha e Juliano Holanda. Rsrsrsrs...Que previlégio, hein?!

Depois que tive coragem de mostrar a esses músicos desse porte essas minhas musiquinhas em yorubá, e não fui recriminada (rs), fiquei com uma vontadezinha de compor mais, de gravar um disco com músicas próprias... Agora eu compreendo que, além dessa motivação, eu também quis gravar um disco pra coroar uma vontade que eu tinha de estreitar laços com a musicalidade que herdei do meu pai. Era como se, através do disco, eu pudesse chegar mais perto dele...Como eu havia traçado o meu caminho, até então, voltada pra o Direito, pra ser uma funcionária pública, eu resolvi tentar olhar pra um outro tipo de influência...a arte. Agora eu entendo que a gravação desse disco foi uma tentativa de integrar um lado pra mim desconhecido e de resgatar um sentimento de amor...Muitas vezes eu me senti muito próxima do meu pai. E me aproximar dele era como colocar no quebra-cabeça de minha vida peças que estavam faltando, pela falta de contato entre mim e ele durante tantos anos...

Tom Rocha e Juliano Holanda me deram uma força com relação a compor. Juliano me deu muitos feedbacks que melhoraram minha insegurança de estreante. Não me considero nem nunca me considerei uma compositora. Só queria me desafiar, já que sempre pensei ser mais difícil cantar músicas próprias do que as dos outros, do que apenas interpretar. Ainda tô me acostumando com essa coisa de cantar o que fiz. Às vezes fico com medo...tantos excelentes compositores por ai...e eu me enxerindo... rsrs. Minhas composições são muito simples. Às vezes chegam a ser infantis. No disco, a sofisticação entrou pelos arranjos, pela mixagem. Eu costumo dizer que quem teve mais trabalho no “Camucais” foram os músicos que arranjaram e os produtores musicais, Juliano Holanda e Fumato. Eu apenas dei um rascunho pra eles. Tive a sorte de ter essas pessoas perto de mim.

Voltando um pouco a fita, quero falar também da importância de ter conhecido Alexandre Garnizé. Numa das vezes que fui visitar meu irmão carioca (irmão por parte de Silvio Solis), fui à casa de Garni. Ele tem um bocado de instrumento exótico. Tem tabla, tem balafon... Ele me emprestou uns discos, me apresentou ao som de Manu Di Bangu, Fela Kuti, Ali Farka, Baaba Maal, Youssou N'Dour, Bonga, Amadour et Marian,...Coisas que eu não havia escutado antes. A minha influência musical é MPB, é Gal, é Gil, é Chico...Isso foi o que sempre escutei, a vida inteira. Como na época que pensei no disco eu tava muito envolvida com a cultura afro, eu fui levada a conhecer os sons africanos mais contemporâneos. Acho que se não fosse Fumato, Tom Rocha e Juliano Holanda, eu teria gravado um disco de músicas de candoblé. Eles me mostraram que o disco poderia seguir um outro caminho. E fui seguindo e me deixando levar pelo que essas pessoas iam me apresentando. Por isso, não tenho nenhuma pretensão em dizer que tenho influências como estas. Camucais é que sofreu essa influência. Eu fui realmente quase que pesquisar sons que eu não havia tido qualquer contato.

Nessa mesma fase, conheci Tchida Afrikanu, que conhecia meu irmão, que haviam estudados juntos na Federal...enfim.... Aí, o crioulo De Cabo Verde eu só conhecia Cesaria Evora, e muito mal. Não me atinha a esse tipo de música. Não sabia o que era morna, o que era funaná...Tchida é quem me explicou a diferença dos ritmos, a riqueza de ritmos de Cabo Verde. Ai a gente foi percebendo como o funaná parece com o galope, como a morna parece com o fado e com o choro...Enfim, fui começando a me apaixonar por essas identificações. Fuçando a internet a procurar músicas de Cabo Verde, descobri Mayra Andrade. Nossa, quando vi essa mulher cantando...faltei cair pra trás. Sou muito fã dela. Sem dúvida alguma.

Enfim, comecei a gostar de cantar em criolo. Eu não tinha medo de cantar na frente de Tchida. Ele sempre dizia: você parece uma caboverdeana cantando...rs. Sabia que era mentira, mais adorava! Rsrsrsr...Acho Tchida um compositor maravilhoso. Ele não amadurece muito a música. Ela parece que já sai pronta. E têm uma melancolia...

Acredito que essa melancolia da música de Cabo Verde seja universal. Porque sinto que é também a mesma dos paraguaios, como meu pai, e de todas as pessoas que vivem longe de casa. Acho que foi esse o ponto maior de identificação meu com Cabo Verde. A melancolia. Que também é aquela do samba-canção. Que pra mim também é a mesma da guarania. “Camucais” traz muito dessa “sodade” caboverdeana. Mas o cheiro desse sentimento tá meio diluído no trabalho das outras pessoas que construíram o projeto comigo.

Toda vez que nos encontrávamos, eu, Tchida e Marcelo Cavalcante (violonista, parceiro, que compôs “Vê Só” junto comigo), sempre mostrávamos um ao outro mais uma canção em crioulo que a gente tinha descoberto. E Tchida sempre contando histórias, falando sobre os compositores, sobre Cabo Verde. Era massa. Daí surgiu a idéia do“Morabeza”, um showzinho só com músicas em crioulo. Mas o “Morabeza” só foi apresentado depois que Tchida já tinha voltado pra Cabo Verde, em 2010. Fizemos ele na Casa de Seu Jorge e no Santander, eu, Marcelo, no violão, Marconi Ribeiro, na guitarra e Guga Santos, na percussão.

Não sei falar em yorubá, assim como não entendo direito o crioulo. Mas é aquela coisa da sonoridade...Adoro. Assim como adoro o espanhol, a língua mater de meus ascendentes paraguaios. Acho que o gosto pela sonoridade de palavras estrangeiras vem daí. Eu não sei falar guarani, mas adoro a sua sonoridade.

“Camucais” tem algumas referências mais aparentes à África, como, por exemplo, em “Mariana”, Tchida canta em crioulo. Também, a alusão ao semba angolano, à coladeira caboverdeana. Mas a “africanidade” tá muito diluída. Assim como a gente também tem isso muito diluído no nosso sangue, tanto que às vezes até se esquece que tem. Dizer que é um disco com influência de músicas africanas tá certo. Mas acho muito difícil ter um disco ou qualquer outro trabalho musical aqui no Brasil que não tenha essa influência.

A identidade musical final mesmo do disco começou a aparecer mais quando Fumato botou a mão na massa. As idéias dele de timbres, de efeitos, de fazer um dub, de ir por alguns caminhos diferentes foi dando a cara ao disco. Eu e ele estávamos em uma sintonia muito boa quando finalizamos, quando definimos a cara que Camucais ia ter.

Acho esse CD lúdico, leve. Venho de uma família de matriarcas, mulheres que, muito cedo, precisaram trabalhar, assumir responsabilidades, por várias questões...Mulheres que casaram muito cedo, que não puderam viver de uma forma mais livre e simples sua infância e adolescência. Eu, por exemplo, tava amamentando meu filho, enquanto minha amigas tavam sambando maracatu. Eu acho que busquei com o disco resgatar esse lado infantil, esse lado mais pueril que não vivi. Eu tô brincando agora. Antes tarde do que nunca...

Camucais foi um nome que me veio à mente. Procurei na internet pra ver se esse nome já existia e vi que não. Depois fui olhar no dicionário bantu que existe a palavra “camuca”, que quer dizer “mulher, mãe”. E cais é cais. Então, imaginei que poderia ter o sentido de “mulheres do cais”. Não no sentido pejorativo. Mulheres do cais no sentido de mulheres que esperam no cais. Assim como em “Minha História” de Chico Buarque, quando ele diz: “Ele assim como veio partiu não se sabe pra onde. E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe. Esperando parada, pregada na pedra do porto, com seu único e velho vestido, cada dia mais curto”.

É um disco simples. Com ele eu quis apenas coroar uma descoberta. Com ele eu quis me aproximar de meu pai, e ser uma mãe melhor pra meu filho. Pra fazer um link com os dois papéis. De filha e de mãe. Sinto que essa ligação me faz me conectar melhor com meu lado maternal...E ao mesmo tempo, com o lúdico, com a minha criança interior.

Pra mim não foi fácil aceitar um outro lado meu. E ainda não é. Sou formada em Direito, como minha mãe. Aprendi com minha família materna a ser prática, rápida, a me sustentar só, a ser uma boa funcionária pública, a ter estabilidade no emprego. Agora tô tentando aprender a me guiar por algo diferente que não seja a mente. Meu desejo ao gravar esse disco foi também presentear o meu pai. E me reconhecer como filha de artista e artista. Mas foi difícil (e ainda tá sendo) me ver nesse outro contexto. Até porque isso aconteceu muito tarde na minha vida, quando eu já havia sedimentado outros papéis...

Pra resolver assumir que sou artista, pra resolver lançar o disco, eu realmente precisei de um período sabático. Um ano somente pensando, viajando, me dedicando a refletir sobre minha vida, sobre o que realmente importa pra mim. E foi nesse período sabático que fui passar alguns meses em New York, perto do meu pai. Pra me permitir olhar pra mim por outros ângulos, encaixar peças que faltavam do quebra-cabeça de minha vida. Agora me sinto pronta pra lançar o disco. Ano passado, fiz um show no Rec Beat. Mas, logo depois, senti essa necessidade de parar. E foi importante pra eu perceber muita coisa. Hoje me sinto bem mais à vontade de lançar o disco e compartilhar a música que tá lá no disco com quem quiser ouvi-la.

OS MÚSICOS E AS MÚSICAS

Quem eu tinha mais perto de mim, quando comecei a brincar de compor, era Tom Rocha. Idéia dele chamar Juliano Holanda e Areia pra gravar (os três têm uma sintonia muito boa, trabalham ou trabalharam juntos em alguns projetos). Juliano foi o cara que selecionou o que eu tava compondo. O que ele achava que tava legal...Ele ia me indicando caminhos a seguir...Foi muito bom ter esse apoio de Juliano. Pra mim era tudo novo, então, me sentia muito insegura pra mostrar minhas coisas. Juliano já tava na Orquestra Contemporânea de Olinda nessa época (2008, quando comecei a rascunhar). Ele convidou o maestro Ivan do Espirito Santo pra fazer os arranjos e gravar os metais. Com esses músicos ai no trabalho, o disco ficou com uma riqueza danada de arranjos...E cheio de riffes, de charminhos, de temas...O baixo acústico fui eu quem tive a idéia de colocar. Acho esse instrumento tão elegante...Aliás, o sax também tem um som tão elegante...E engraçado é que, antes de eu pensar em gravar esse disco, eu levei três ogãs pra um pequeno estúdio. Três atabaques dentro do carro...Rs. Fora o povo...E a gente gravou o pequeno ensaio. Eu imaginava um bocado de percussão tocando nesse disco...Não pensei em colocar em nenhum momento sax, guitarra, baixo acústico...Que transformação esses músicos operaram em mim...Rs...

Tive muita dificuldade em entender o trabalho de uma produção musical. Não achava que seria tão difícil como foi pra mim. Eu não tinha experiência, nunca tinha gravado nada, a não ser umas musiquinhas aqui, outras ali...Por isso também que pra mim demorava um pouco. Foram quase 3 anos entre as primeiras linhas escritas e a finalização. Mas agora, depois de passado tudo isso, eu vi que não demorou. Foi o tempo certo.

Descobrir uma identidade talvez tenha sido a coisa mais difícil de tudo... E ainda tô descobrindo... Cada vez que escuto o disco, me vem uma idéia diferente do que ele é pra mim. Mas prefiro me deixar livre pra construir aos poucos uma idéia sobre mim e sobre o disco. Não tenho um passado na música. Não tenho trajetória. Então me permito estar nessa situação de “em construção”.

Voltando aos músicos, quando as bases já tavam gravadas, chamamos Fumato pra continuar o trabalho de produção musical a partir da gravação das vozes. A gente experimentou um bocado de coisa. Resolvemos convidar Sabrina Sabino pra fazer os vocais. A voz de Sabrina é doce, transmite uma tranqüilidade, uma coisa bem meiga. E quando ela gravou, tava grávida, tava com uma energia maternal... Ela pariu o filho dela - meu sobrinho, porque ela é minha cunhada -, mais ou menos no mesmo período em que parimos o disco...Isso foi forte...

Teve também a participação de Tchida (Mariana), de Isaar (Ali Coladeira), de Publius (O tempo) e de Jr. Black. Tanta gente boa...O timbre de Tchida já nos remete aos artistas caboverdeanos. O jeito como ele canta, essa coisa meio doída... Isaar foi convidada por Fumato. Um presente e uma honra. Publius já havia presenteado o disco com a música “O tempo” (dele e de Juliano Holanda). A voz dele é uma delícia. Jr Black interpretou um texto meu na música “Kalimba (Hiato)”. Várias vozes e interpretações diferentes que depois a gente foi montando...A musiquinha que toca atrás do texto “hiato” é uma espécie de cantiga de roda...Pra remeter mesmo a isso que tá no nosso inconsciente.

Fumato também convidou Guga Santos e Amarelo pra gravarem. Quando eles tavam só no esquente no estúdio, começaram a tocar um nyabing. Daí que surgiu “Hiato”. Gabriel Melo fez os riffs nas músicas “Mariana” e “Ali Coladeira” e Marconi Ribeiro fez o solo de guitarra em “Balafon”

Eu senti que o disco ia tomar outro caminho quando ele foi pra mixagem. Depois que Fumato botou samplers, baixo, bateria eletrônica, back groud...Fez um dub de uma das músicas (Vê só)...A minha cabeça começou a se organizar mais ai. Os timbres que ele usou foram dando mais uma clareada na minha mente pra realmente eu sentir no que tinham se transformado a músicas.

Gravamos as bases no Estúdio Muzak e as vozes todas no Fábrica Estúdios. As gravações de guitarras de Gabriel e Marconi foram lá no estúdio de Fumato, o Magalister. A masterização foi feita por Carlos Freitas, no Classic Master.

Quanto à banda atual, hoje estou junto de pessoas pelas quais tenho muita estima e respeito. Músicos que têm talento e humanidade. Têm molejo e doçura ao mesmo tempo... Tão de braços dados comigo. Marconi Ribeiro, André Alencar, Carlos Amarelo, o maestro Ivan do Espírito Santo e Sabrina Sabino. Fumato é um cara que além de haver produzido e mixado o CD, trabalha na parte técnica, junto com Ed, grande parceiro e amigo.

O disco é alegre. Tem uma coisa meio infantil, simples, nas letras, nas melodias. Como disse antes, meu papel nesse processo foi apenas entregar o rascunho pra esses músicos super tarimbados que fizeram arranjos maravilhosos. Depois acho que só vim a me enxerir mais na hora de editar e mixar.

Mas gosto de ressaltar algumas músicas. Duas parcerias que têm no disco. “Mariana” era uma música que Tchida tinha feito toda em crioulo. Ai ele me mostrou e eu fiz algumas alterações pequenas. Ela é uma coladeira, bem balançadinha, pra dançar agarradinho. Ela tem aquela coisa da melancolia. “Vê só” fiz com Marcelo Cavalcante. A letra tava pronta quando chamei ele pra harmonizar a música. A melodia também saiu junto com a letra, mas Marcelo foi levando ela pra caminhos mais gostosos, mais interessantes. A primeira gravação dela foi sem o dub. Originalmente ela é meio fado, meio morna, o que eu e Marcelo estávamos escutando bastante na época.

“Braseiro” e “O tempo” foram presentes de Juliano Holanda, seu Júlio Holanda, o pai dele, e Publius. Depois que gravei “O tempo” Publius me falou: “Eu quis compor uma melodia nostálgica, mas ao mesmo tempo alegre, pois a poesia de Juliano tem essa leveza e também um pouco de ironia (sobretudo na segunda parte)....A melodia na primeira parte sobe e desce como o movimento das águas do mar...”.

“Ali Coladeira” foi a primeira musiquinha que fiz com inspiração em Cabo Verde. Querendo ir lá...Respirar aqueles ares...

É isso.

O que acho que é importante dizer é que, na época que eu compus, tava escutando um pouquinho de cada coisa da África que me apresentavam. Mas quem sabe o que contou mesmo pra fazer a minha parte nesse trabalho foi sentir que a gente não precisa fazer muito esforço pra mostrar nossas influências nem nossas origens. Só foi trabalhoso me reconhecer, voltar pra casa, voltar pra dentro de mim. E, principalmente, aceitar a minha maior motivação pra gravar Camucais: colocar as peças que faltavam no quebra-cabeça da minha história.